O Gênio Leonardo da Vinci

Nessa época, também surgiram algumas daquelas anedotas que servem para envolver a biografia de Leonardo numa aura legendária, conferindo-lhe perfil algo misterioso, um misto de astrologia e magia negra, da intelectualidade mais refinada e do mais profundo misticismo: seria Leonardo feiticeiro também?

Que outro epíteto, aliás, poderia merecer quem olhava atentamente para as estrelas, acompanhando seu curso pelo céu de maneira diferente dos outros homens, mesmo que fossem astrônomos, descobria as mais insuspeitadas afinidades entre os diversos fenômenos naturais, e parecia ouvir vozes inacessíveis aos demais ouvidos humanos?

Teria ele, em verdade, levado o próprio Verrocchio a jogar fora os pincéis e confessar-se um mau artista?

Na verdade, a influência de Verrocchio e do seu memorável estúdio parece jamais apagar-se da memória de Leonardo da Vinci; o gosto por brinquedos engenhosos e mecanismos curiosos de sua própria invenção é apenas um indício dentre muitos dessa influência.

De qualquer modo, às vezes os procedimentos artísticos de Leonardo causavam estranheza por parecerem demasiado originais; ele fazia questão, por exemplo, de preparar em segredo suas próprias tintas, evitando aquelas consagradas pelo uso; por isso, ao contrário da superfície bem conservada e sempre polida que se via nas obras de outros artistas, muitas vezes as telas dele perdiam rapidamente o brilho, adquirindo uma pátina precoce sob a forma de escamas.

Noutro caso típico, quando seu pai lhe pediu que decorasse um escudo, o que fez ele?
Disposto a representar a figura mitológica da Medusa, o jovem pintor isolou num aposento da casa lagartos, serpentes, morcegos, gafanhotos, mariposas, borboletas, animais cujo conjunto foi por ele de tal modo adaptado que resultou num ser anfíbio de aspecto assustador; além disso, os restos desses mesmos animais encheram o aposento de um odor nauseabundo o que, entretanto, não parecia ser sentido pelo próprio Leonardo, aborto em sua tarefa artística.

Quando o monstro foi apresentado por Leonardo ao seu pai, este quedou admirado com o talento especial do filho, e parecia mesmo oscilar entre essa admiração e um secreto terror perante aquele monstro, com seus cabelos serpentinos, olhos esbugalhados, e sua boca que parecia fumegar.

O episódio da Medusa serve, ademais, para demonstrar o quanto Leonardo amava a psicologia, o estudo dos efeitos teatrais sobre a mente humana, e o quanto o atraía o poder da imaginação sobre todos nós. Estando, ainda, muito próximo do espírito medieval, da mesma inspiração dos velhos alquimistas, Leonardo amava os experimentos secretos, fazendo uso de lentes e cristais.

Além disso ele também buscava afinidades entre as mais diferentes ordens dos seres vivos e desejava encontrar as fontes últimas da própria vida; ainda o desenho minucioso do feto em desenvolvimento, o emprego de fórmulas meio químicas meio místicas, e as associações que ele faz entre o curso dos astros e o ritmo vital também servem para expor a riqueza de sua personalidade.

Por outro lado, nem todos os biógrafos e estudiosos acreditam na história dessa primeira medusa, deliciosamente contada por Vasari. mas como quer que seja, Leonardo manteve, sempre, sua atenção voltada para essa fascinante figura mitológica; uma prova é a sua Medusa, esse de autenticidade inegável, conservada na Galeria degli Ufizzi, em Florença: nela o artistas revela uma espécie de fascínio pela corrupção da carne, pelo desaparecimento gradual das faculdades sensíveis, buscando descobrir as nossas estranhas relações com a morte através de todas as nuances intermediárias entre a visão de um corpo inteiramente vivo e a de outro já morto.

Leonardo realça a diferença observada entre o movimento de um e rigidez do outro, entre o rosado da face em vida e a palidez cadavérica; enfim ele faz o roso impassível do monstro contrastar fortemente com o afã das serpentes que formam a cabeleira, as quais parecem estrangular-se uma às outras, no dizer de um crítico.

Essa obra, como tantas outras, aliás, que encontramos na arte da renascença, faz lembrar uma advertência de Berenson, a de que a cultura humanista, o mergulhar profundo nas representações mitológicas clássicas através da literatura, e não o conhecimento técnico, constitui a melhor maneira de começar a entender e amar a pintura.

Entretanto, no seu Tratado da Pintura Leonardo insiste na busca do que ele denomina realismo, e fala com grande satisfação sobre casos em que a pintura foi capaz de enganar homens e animais, dando-lhes a ilusão da verdade.

Essa ideia, aliás, já fascinava os escritores antigos que falavam sobre a arte da pintura, e que meditavam sobre o enigma dessa ilusão: ser capaz de reproduzir frutas, flores, alimentos, a vista de avs e outros animais ou do rosto humano de tal modo que pareçam naturais, tão vivos e existentes quanto os seus próprios espectadores, esse talento sempre foi tema das mais sutis dissertações filosóficas desde Aristóteles; e os poucos artistas que o possuem serviram de modelo e objeto da mais profunda admiração quer para outros artistas quer para qualquer observador.

Assim, nem os contemporâneos nem a posteridade se cansam de observar com atenção o temperamento de Leonardo e a originalidade de seus traços psicológicos: realista, ele era ao mesmo tempo um sonhador incurável; artesão, ele criava mundos inteiros pela imaginção, os quais eram dotados de tamanho requinte que nem pareciam obra humana.

Um vestígio, aliás, de sua sensibilidade fora do comum, encontramos no fato de que ele costumava, ao perambular pelas ruas de Florença, adquirir pássaros cativos dos vendedores, por qualquer preço que fosse, apenas a fim de soltá-los de suas gaiolas e acompanhar com imensa alegria seu voo rumo à liberdade; pássaros, cavalos e animais de um modo geral sempre lhe causavam deleite, e ele os honra com seus cuidadosos estudos para pinturas e tapeçarias.

No próximo artigo, iremos entrar em mais detalhes da vida deste grande gênio, agora falando do Engenheiro Leonardo da Vinci.

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