A alma sensível de Leonardo Da Vinci

Psicologia Feminina

Aqui nos deparamos, mais uma vez, com o encanto de Leonardo pela cabeça humana; não, aliás, como simples objeto de prazer estético, como tinham feito os gregos em seu cânon artístico, mas como a morada da alma.

Leonardo vê nessa mente um tesouro de infinitas possibilidades, e jamais se cansa de falar do rosto e da cabeça porque eles são a fachada daquela morada, sendo o olho a janela.

Essa atitude traz à tona, novamente, o que existe de feminino em Leonardo; aquilo que um de seus admiradores mais refinados e filosóficos, Taine, fez questão de destacar como um dos traços marcantes do gênio de Leonardo.

Para Taine, Leonardo era dotado de uma sensibilidade diferente, mesmo em comparação com outros artistas e, mais ainda, em comparação com os temperamentos belicosos que o rodeavam.

César Bórgia, o Marechal de Chaumont, e mesmo Ludovico Sforza e o próprio rei Francisco 1 parecem demasiado viris se comparados à alma delicada do artista, que se comprazia em caprichos e fantasias inacessíveis ao pensamento daqueles homens.

Leonardo sempre amou as diversões mais originais, mais engenhosas, dir-se-ia mesmo infantis que se possa imaginar: não tinha ele, enquanto se dirigia a Roma a fim de encontrar Leão X, construído estranhos brinquedos, quiçá balõezinhos em forma de animais, corpos levíssimos que voavam ao sabor do vento e caíam por terra quando este cessava?

Não tinha ele capturado um grande lagarto, e, após adaptar sobre o seu corpo escamas de outros lagartos esfolados, as quais pareciam tremer ao menor movimento do animal, não o tinha recoberto de prata viva, ao mesmo tempo ajustando ornamentos nos seus olhos e dotando-o de cornos e de barba.

Não tinha ele excogitado tudo isso apenas a fim de se regozijar quando via fugir seus amigos assustados?

Noutra ocasião, o autor de Tratado da Pintura, espalhou bexigas vazias num aposento contíguo ao seu, de onde, escondido, fez encher pouco a pouco de ar as bexigas, mediante um mecanismo secreto.

Isso aconteceu quando a sala estava ocupada por várias pessoas que, intrigadas, tiveram que retirar-se por falta de espaço. Esses divertimentos narrados por Vasari nos dão uma ideia da originalidade fantástica e da faculdade que apenas o gênio possui de pairar acima da seriedade da vida; já se disse que somente a mediocridade jamais ri.

Leone Battista Alberti

Por outro lado, o Tratado da Pintura, com toda a sua riqueza de detalhes e o seu maravilhoso senso estético, um livro que aborda a questão da natureza da própria pintura, da formação artística dos que a cultivam, da diferença entre pintura e escultura, entre pintura e poesia, entre pintura e música.

Esse livro que descreve toda a anatomia do olho humano e disserta sobre os mais diferentes tipos de paisagem, sobre as mais variadas reações resultantes da mistura das cores e da incidência da luz, que analisa com extremo cuidado as proporções dos corpos e as relações entre as superfícies, essa obra prima do gênero, enfim, não é original.

Porque já antes de Leonardo outro gênio da renascença, Leone Battista Alberti, também ele dotado de multifacetada cultura e finíssima sensibilidade, tinha composto um precioso manual sobre o mesmo assunto, em latim, intitulado "Da Pintura".

É claro que isso não diminui absolutamente o valor da obra de Leonardo; a fonte original, porém, deve ser reconhecida: praticamente todos os temas apresentados no Tratado da Pintura de Leonardo já tinham sido abordados por Leone Battista Alberti no seu latim elegante e pitoresco.

Alberti é, ele também, um homem universal, típico da renascença, e contribuiu muito para os estudos de perspectiva promovidos por Piero della Francesca e o'próprio Leonardo; muito das concepções que vemos aflorar no famoso desenho de Leonardo provém dos estudos de Leone Battista Alberti.

Tudo isso serve para provar a vitalidade quase inacreditável da renascença italiana; o ideal humanista não era exclusivo deste ou daquele indivíduo, desta ou daquela cidade ou comuna; nem pertencia esse ideal, tampouco, a determinada classe social; caso contrário não seriam vistos aqueles agrupamentos numerosos defronte aos quadros de Leonardo, nem apareceriam homens semelhantes ao próprio Leonardo, como é o caso de Leone Battista Alberti.

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