Vida Nômade

Gênios são inquietos, principalmente no sentido mental da palavra, tem uma alma e um espírito que se 'coçam' o tempo todo. Não foi diferente com Leonardo.

Vamos aprender sobre uma importante fase de transação na vida do gênio Leonardo Da Vinci.

Leonardo vai para Roma

Muitas vezes a vida dos gênios artísticos é a mais atribulada possível; no caso de Leonardo da Vinci isso também aconteceu.

De retorno a Florença ele não encontrou nada comparável ao patrocínio dos Sforza, embora tenha recebido várias encomendas, algumas das quais resultaram em verdadeiras obras primas, sendo a Mona Lisa a mais célebre.

Destaca-se, também, a Adoração dos Magos, na qual a arte do esboço, do inacabado, das tintas esmaecidas e dos fundos feitos a partir da degradação da luz, tão característica de Leonardo, foi levada à perfeição.

Pintura Adorazione dei Magi


Considerando-se o contraste que existe sempre entre o gênio e o homem comum, é preciso constatar que Leonardo jamais recebeu de sua cidade natal todo o reconhecimento que merecia: esse fator, associado ao seu próprio temperamento inquieto, levou Leonardo a buscar alhures uma fonte de sustento, e de inspiração para sua arte.

Após uma breve estadia em Milão, desta vez pouco produtiva, o artista partiu para Roma; estranhamente, o grande papa da Renascença, o florentino Leão X, também se mostrou indiferente ao gênio de Leonardo, e buscou noutros artistas a resposta para suas demandas.

Vida Ambulante

Já se disse que os humanistas e os artistas da renascença amavam a vida livre, sem amarras de cunho social ou político que os prendessem a um lugar único; as vicissitudes políticas, aliás, aquelas mudanças incessantes do centro do poder, contribuíam em muito para esse tipo de vida.

Muitas vezes os artistas migravam por força das circunstâncias: seus protetores e mecenas uma vez destronados pouco ou nada podiam fazer por eles; era comum, após uma guerra ou uma revolução, ver artistas ou grupos de artistas demandarem outras paragens, mais calmas e propícias ao seu trabalho; ou então, era simplesmente a perspectiva de uma recompensa e de um reconhecimento maior, à altura de seu talento, que impulsionava  essa mudança nos artistas.

Embora Florença somente o grande centro das artes cuja irradiação dominava não somente a Toscana e a Úmbria, mas chegava até à própria Veneza e, em certo sentido, até mais longe, influenciando o desenvolvimento artístico em Roma ao sul e Milão ao norte, e até mais além, a  cidade também estava impregnada por aquele espírito de agitação o e descontentamento republicano, de reivindicações e disputas mais diversas facções e das mais diversas tendências políticas.

Ainda que, com o paulatino enfraquecimento dos imperadores germânicos, tivesse desaparecido a famosa dualidade dos guelfos e gibelinos, sendo uns partidários da Itália, patriotas portanto, e outros partidários do poder imperial, o espírito de facção continuava reinando o por todos os lados.

De quando em quando poderosas famílias de aristocratas alcançavam o poder, tal como aconteceu os banqueiros Médicis em Florença ou os Sforza em Milão, apenas para serem derrubadas mais cedo ou mais tarde por algum rival mais astuto e disposto a tirar proveito de qualquer oportunidade a fim de tomar as rédeas do poder por sua vez.

Algumas vezes essas revoluções representavam verdadeiro desastre para a arte, como podemos verificar no momento da queda dos Médicis em Florença, ou do saque de Roma pelo exército do Condestável de Bourbon, em 1527.

Por outro lado, os próprios artistas muitas vezes se sentiam mal recompensados por seus mecenas, e acreditavam não receber um pagamento à sua altura; fatores diversos, que iam desde dificuldades corriqueiras de caixa até à rede de intrigas que envolvia toda corte, sem esquecer o temperamento variado e o grau de sensibilidade desigual dos mecenas, também causavam insatisfação e levavam os artistas a emigrar.

Em seu relato pitoresco sobre a vida de Leonardo da Vinci, Vasari diz que o artista foi certa vez ao banco, em Florença, a fim de receber o pagamento mensal que lhe devia Piero Soderini; o caixa, entretanto, quis entregar-lhe não o devido, mas somente uns poucos ceitis, de valor insignificante, Leonardo então respondeu altaneiro: "Não sou um pintor de poucos ceitis".

O episódio serve para mostrar-nos, ao mesmo tempo, a mesquinhez com que muitas vezes eram tratados mesmo os maiores artistas, e a quase obrigatoriedade de seus constantes deslocamentos para outras cidades ou países.

Assim, depois de trabalhar em Florença por um bom tempo, Leonardo deverá retornar a Milão, não mais regida pelos Sforza, mas por franceses invasores comandados pelo Marechal de Chaumont, que o acolheu polidamente, envolvendo-o numa atmosfera de admiração e respeito.

Essa segunda estadia em Milão, porém, foi mais breve que a primeira, e não parece ter apresentado resultados artísticos de importância, quiçá por força mesmo da instabilidade política: vem à nossa lembrança, neste momento, alguma ilustração perdida nas brumas do passado, alguma gravura de autor anônimo exposta em livros infantis ou nas enciclopédias, que nos mostra o grande gênio da renascença fugindo da capital da Lombardia em aventurosa cavalgada, sob o manto das trevas, acompanhado de seus fidelíssimos discípulos, tendo a cabeça coberta por um barrete, e a longa barba pendente, que esvoaça ao vento noturno; vêem-se ao fundo, num perfil vago e fantasmagórico, as muralhas de uma cidade que se tornou agora pouco hospitaleira.

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