Impressionismo

Agora que já falamos sobre a espiritualidade de Leonardo Da Vinci, vamos ler sobre um fascínio de nosso gênio, os 'tipos' de pessoas, e daí vamos entender um pouco mais sobre o impressionismo de Leonardo.

Os Tipos de Leonardo

Leonardo observava com atenção os tipos que encontrava em qualquer lugar, fosse no burburinho das ruas, fosse nalgum palácio ou estúdio, ou mesmo nos mais inesperados lugares e circunstâncias.

Princesas e plebeias, tipos nobres e refinados ou, ao contrário, grosseiros e caricatos, crianças da mais alta extração ou moleques de rua, mercadores e letrados, clérigos de psicologia sutil e brigões do mercado, todos lhe interessavam igualmente e serviam para enriquecer sua notável galeria.

O episódio ocorrido em Milão, quando ele tardou cerca de um ano na entrega da Ceia aos frades dominicanos pelo simples fato de que não encontrava uma cabeça apropriada para o Judas é bastante ilustrativo do gênio de Leonardo.

Seu biógrafo Vasari diz que ele tinha verdadeiro fascínio por cabeças bizarras, emolduradas por barba e cabelo, de tal modo que seria capaz de seguir e observar um tipo assim durante a jornada inteira, a fim de reproduzi-lo fielmente no seu retorno ao estúdio.

Sua memória visual era prodigiosa e estava sempre a serviço do pincel, apresentando como resultado uma abundante coleção de cabeças de homens e mulheres que parecem presentes em carne e osso; nesse sentido merece destaque a cabeça de Américo Vespúcio, o legendário viajante, geógrafo e descobri-dor florentino, reproduzida nos cadernos de desenho do próprio biógrafo.

Outra é a de um velho, um capitão cigano, considerada belíssima e dotada do mais alto poder de expressão; também o esboço da Adoração dos Magos, o mais famoso de quantos saíram das mãos de Leonardo, abunda em cabeças dotadas de desenho e psicologia extraordinária.

Esse esboço pode ser visto em Florença, na Galeria degli Ufizzi, e suscitou toda uma literatura em torno dele, a qual, se é menos abundante que a da Mona Lisa, não é, porém, absolutamente, de menor significado. como salienta um crítico, o alemão Spengler:

  • "Leonardo fala uma linguagem diferente da de seus contemporâneos; em coisas essenciais seu espi-rito alcança o século seguinte; ele não estava, como Miguel Ângelo, atado por todas as fibras de seu coração ao ideal da forma toscana".


Parece-lhe que, enquanto Michelangelo buscava reproduzir com perfeição as superfícies plásticas dos antigos escultores, Leonardo colocava em destaque essas mesmas superfícies, porém num sentido próprio, dir-se-ia fisiológico, que servisse para revelar os mistérios escondidos no interior.

Enquanto o primeiro tencionava traduzir toda linguagem humana no idioma do corpo visível, os esboços de Leonardo manifestam o contrário; o seu famoso esfumado, ainda segundo o crítico, serve para negar os limites do corpo, e apresentar toda a plenitude do espaço.

Até mesmo o impressionismo, quiçá o último grande movimento pictórico do mundo moderno, teria começado no artista florentino Leonardo; e a espiritualidade de seus quadros só encontrava uma expressão justa no inacabado da superfície, naquela "substância cromática colocada como uma espécie de hálito sobre o quadro, o qual se torna propriamente algo de incorpóreo e indescritível".

Aqui, de fato, impressionismo é uma palavra chave, quando se pensa na riqueza de nuances buscada por Leonardo, nas incríveis minúcias a que ele chega a fim de expressar toda a gama de tons e semitons que é possível conseguir no caminho que vai do claro ao escuro, da luz à sombra.

Quando Berenson diz que antes dos pintores impressionistas o contraste entre luz e sombra era abrupto, e não se conheciam as gradações intermediárias, não podemos concordar com o grande crítico; porque Leonardo já tinha descoberto e manejava muito bem seu pincel no estabelecimento daquelas gradações; ele também era capaz de enxergar sombras multicolores, e educar-se a si mesmo e a nós numa visão impressionista da natureza.

Para Leonardo o sentido do corpo não se esgotava em si mesmo; não se tratava apenas de desenhá-lo com perfeição, como tinham feito outros artistas florentinos, mas de evocar os mortos, por assim dizer, exigindo da anatomia que se transformasse em algo vivo e falante, algo que ultrapassasse a limitação material do presente e do palpável.

E mesmo que Leonardo não tenha descoberto a circulação do sangue com finalidades médicas, como o fez Harvey, seus descobrimentos acerca dela não são menos importantes do ponto de vista da história da arte.

Realizados na época dos grandes descobrimentos geográficos, na mesma época, aliás, em que vivia em Florença o famoso mestre Toscanelli os trabalhos de Leonardo nos permitem avaliar seu grande alcance pela própria comparação: Leonardo da Vinci se emparelha com os ousados navegantes e geógrafos de seu tempo, com Américo Vespúcio e Colombo, e o mesmo valor que a bússola tinha para seu legendário conterrâneo genovês, tem para Leonardo o pincel, o cinzel, o bisturi, o lápis e o compasso; seus cadernos de desenho, aquela maravilha máxima da arte humana de registrar o mundo visível, ocupam o mesmo lugar que os diários de bordo de Cristóvão Colombo.

E enquanto o navegante singra os mares, se defronta com mares desconhecidos, paisagens de horizonte imenso e imersas na névoa, cabos de perfil ameaçador e quase humano, guiando-se pelo instrumento da bússola, Leonardo se aventura pelo mundo igualmente fascinante da arte e exibe os mais íntimos segredos da psicologia.

Para ele a fisionomia é a expressão das camadas mais profundas da mente, e o prazer maior do artista consiste em buscar essa mente sob os véus espessos que a envolvem. Na busca incessante de algo novo e inacessível, Leonardo parecia querer libertar a sua própria alma das amarras terrestres, do mesmo modo que libertava os pássaros de suas gaiolas.

Não é casual seu interesse pelas máquinas de voar; e na sua pintura, sobretudo na Adoração dos Magos, ele parece herdar os sonhos místicos dos visionários medievais, que tinham andado pelas regiões montanhosas da Toscana e da Itália central, e para os quais voar não parecia impossível; nessa atmosfera de sonho Spengler se pergunta:

"Ninguém observou como a legenda cristã na pintura ocidental se converteu em uma transfiguração maravilhosa desse motivo? Realmente, nos deixam encantados no estudo da história da arte "todas essas ascensões, todas essas descidas ao inferno, o voar acima das nuvens, as assunções beatificas dos anjos e santos, toda a liberação do peso terrestre, e jamais nos cansamos de observar, seguindo-os passo a passo, os esforços feitos pelos pintores italianos do final da idade média no sentido de afastar-se da rigidez bizantina a fim de encontrar seus próprios caminhos.

Dificilmente podemos avaliar todo o impacto daquela estranha arquitetura da Catedral de Milão sobre o espírito de Leonardo; tratava-se, antes de tudo, de uma flor gótica plantada no solo da península, flor essa tão exótica quanto a outra, esta sarracena, da Catedral de Palermo: ambas parecem, de certo modo, colocadas fora da Itália; são demasiado originais e exóticas; porém, ao mesmo tempo, ambas servem para realçar a elegância e o refinamento para os quais tanto contribuiu o próprio Leonardo.

Vida e obra de Leonardo Da Vinci, biografia, resumo completo

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