Roma e César Bórgia

Neste artigo, vamos entender melhor a relação entre Leonardo Da Vinci com a cidade de Roma e o príncipe César Bórgia.
 

Roma e César Bórgia

De Milão Leonardo passou a Roma, a fim de servir César Bórgia.

Mesmo considerando todas as vicissitudes da história contemporânea, custa-nos entender como um homem de tão grande gênio foi reduzido a tratar com e a trabalhar para quem alcançou a reputação de um dos mais cruéis tiranos de toda a história.

Pouco importa, aliás, que César Bórgia também tenha sido chefe militar de primeira linha, ou que tivesse a intenção de unificar a Itália, libertando-a do jugo estrangeiro: o contraste entre esses dois homens é demasiado forte para que possamos omiti-lo ou esquecê-lo de algum modo: é-nos possível imaginar Fídias ou Policleto, aqueles dois luminares da arte grega, junto ao imperador Tibério?

Mas, bem ao contrário deste último, que se desfez em lágrimas ao prever o assassinato de seus netos e o fim da sua estirpe, o filho do Papa Alexandre VI não possuía nenhum ponto fraco, nenhum vestígio de humanidade como os que podem ser encontrados, às vezes, mesmo nos maiores celerados;  sua frieza e inexorabilidade se tornaram proverbiais num sentido negativo, ele é quase tão legendário quanto o próprio Leonardo da Vinci.

Num estudo notável sobre o Bórgia, o escritor francês Paul de Saint Victor, nos lembra que o capitão fez cercar, num acesso de capricho sanguinário, a Praça de São Pedro em Roma, transformando-a numa espécie de arena gigantesca, e lá, vestido de acordo com a ocasião, literalmente caçou seis prisioneiros condenados, a flechadas.

E num requinte de barbaridade o espetáculo foi assistido pelo próprio Alexandre VI, alguns parentes e Giulia Bella, amante de César; outros crimes de César também são horríveis, a ponto de merecer eterno olvido "sob o véu das notas em latim", como os de Tibério.

Para fortuna de Leonardo e da história da arte, esse relacionamento pouco durou; surpreende-nos, apenas, que Leonardo não tenha encontrado nos papas os mecenas que tanto merecia, como Rafael e Michelangelo.

Seria porque o espírito clássico era demasiado forte na cidade, demasiado escultural para favorecer um gênio exclusivo da pintura? Ou demasiado claro para reconhecer o estilo original, algo misterioso e enigmático da pintura de Leonardo, contrário ao que transmitiam os quadros translúcidos de Rafael?

Será que os pontífices consideravam Leonardo, já maduro e a caminho da velhice, ultrapassado em seu estilo, enquanto os outros dois grandes gênios da arte seriam mais atuais? Ainda surpreende o fato de que Leão X, o grande papa da renascença, florentino e Médici de nascimento, humanista perfeito e amante das letras e das artes, famoso por seu lema: "que a língua latina seja considerada como cultivada sob o nosso pontificado", também não tenha conduzido Leonardo a Roma nem o tenha favorecido quando ele já estava lá.

Ao contrário, com seu gosto pela anedota, Vasari nos conta que o papa, tendo feito uma encomenda a Leonardo, ficou perturbado ao verificar que o artista se dedicava ao preparo das tintas, como de costume, nisso perdendo tempo aos olhos do pontífice, que por isso se queixou de que aquele estranho Leonardo "começava por onde os demais artistas terminavam", o que muito desgostou o artista, levando-o a dispensar-se da obra.

César Bórgia
"Retrato de um Cavalheiro" (Cesare Borgia), por Altobello Melone.

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