Escritos de Leonardo

Além de pintar, Leonardo escreveu, e muito, sobre os mais diversos temas, como veremos neste artigo de nossa biografia.

Escritos e Obras de Leonardo Da Vinci

Tendo seu gênio voltado para as artes plásticas, sobretudo, Leonardo da Vinci escreveu relativamente pouco; seus cadernos de anotações, aliás, os famosos cadernos com a escrita invertida, são numerosos, é verdade, mas por seu próprio caráter criptográfico ti-veram efeito quase nulo sobre a literatura de seu tempo.

Além disso, a inquietude e universalidade de seu pensamento se expressou de maneira resumida, é verdade, porém incisiva, na sua amada pintura; ele deverá considerar sempre, malgrado seus impressionantes projetos esculturais, a pintura como representante máxima do sentido artístico do homem.

Tudo que contribui para a formação e o enriquecimento da arte pictórica, mesmo o objeto ou recurso mais insuspeitado, deverá interessar sobremaneira Leonardo; ele cultiva ou educa de tal modo o órgão da visão, que acabamos por nos confundir e não sabemos, ao estudar sua vida, até que ponto ele mesmo via o mundo como nós mesmos, ou, ao contrário, enxergava tudo sob uma lente própria, original, produzida por sua sensibilidade artística extremada e sua curiosidade sem fim.

Mas o pouco de escrito que recebemos de Leonardo é bastante instrutivo do seu caráter e temperamento. Aliás, com exceção de alguns sonetos dispersos, vagas reminiscências de sua própria vida e de seu ideal artístico, sonetos esses talvez ainda um tanto quanto desajeitados e de modo algum perfeitos como os de Michelangelo, o que temos de Leonardo é apenas o Tratado da Pintura.

Um traço comum entre os dois grandes artistas, entretanto, é a melancolia, a forte inclinação para um vago desânimo diante do espetáculo da vida e diante dos ideais da arte.

As semelhanças, todavia, param por aí: porque Leonardo jamais é tão dramático, tão radical em seus juízos quanto Michelangelo; o pintor da Mona Lisa jamais pensou em trancar-se num quarto a fim de morrer de fome, nem tratava o papa de um modo tal que nem o rei de França ousaria; essa atitude era típica do famoso pintor da Capela Sistina em Roma.

Um testemunho interessante da diferença de temperamento entre os dois artistas também pode ser encontrado no modo como eles tratavam a paisagem. Leonardo, sempre curioso e mergulhado nos seus sonhos de refinamento estético, nos mostra paisagens alpinas atrás da Mona Lisa, montanhas mergulhadas na luz misteriosa do esfumado, ou campinas e encostas recobertas de flores delicadas e que ainda exalam seu perfume através dos séculos.

Michelangelo, por sua vez, dispõe apenas de algumas  poucas flores ou grama, ao fundo de seus quadros, e não quer contar-nos nenhuma história  através da paisagem; toda a sua história esá concentrada nas personagens temáticas, o fundo é representado por rochas nuas na paisagem desolada; ou até mesmo, como no caso do Tondo Doni da Galleria degli Ufizzi, por um grupo desnudo, em contraste com o tema.

Soneto de Da Vinci

Vejamos, entretanto, um soneto de Leonardo:
"Aquele que não pode o que quer, deve querer o que podePorque querer o que não se pode é loucuraO sábio, portanto, deve fazer-se um preceito de afastar sua vontade daquilo que ele não pode alcançarO homem não deve mais querer sempre o que podeMuitas vezes uma coisa parece doce, e depois se torna amargaJá chorei por ter alcançado algo que desejava".

Lamentar-se um homem dessa natureza não por ter sido frustrado nos seus intentos, mas, ao contrário, por tê-los realizado!

Talvez esse descontentamento com a própria perfeição seja um dos motivos de Leonardo ter deixado incompletos tantos de seus trabalhos; mas essa é também uma fonte de encanto.

Asim como a Vênus de Milo talvez não fosse tão sedutora se dispusesse de seus braços, também aquelas obras de Leonardo poderiam não ter o mesmo encanto caso fossem acabadas; o esfumado é o que lhes confere originalidade quando confere ao espectador a tarefa de completar pela força da imaginação o esboço que lhe é apresentado.

A língua vulgar ou Vernáculo

Tratado da Pintura, é o escrito de Leonardo que resume da maneira mais clara e incisiva a  a corrente de suas ideias sobre a arte.

Ele o escreveu em Italiano, a língua vulgar, como Dante tinha escrito seu memorável poema e Cellini a Autobiografia não menos memorável.

O fato não nos surpreende se consideramos que Leonardo era demasiado moderno, inovador, curioso e inquieto para apegar-se à  tradição humanista de escrever em latim; ele não ama as citações, conto nós, nem tampouco se prende à disciplina acadêmica.

Não podemos, de modo algum, imaginar o grande artista ocupando uma cátedra universitária terminando calmamente seus dias como lente aposentado, após proferir longas e quiçá tediosas aulas a gerações de alunos.

Ao contrário, como tantos outros nomes significativos da renascença, Leonardo anda aqui e acolá em busca de seus mecenas, de seus discípulos e da perfeição de sua arte; ele não se atém a nenhum cânon artístico, exceto o da beleza, e não dá origem a uma escola no sentido de Rafael e Michelangelo.

Os imitadores de Leonardo são poucos, nem se ressentem de qualquer influência esterilizadora, salvo algumas poucas exceções; Berenson jamais poderia dizer dele, como disse de Michelangelo, que:
"ele deveria ter morrido aos quarenta anos", poupando assim a arte italiana de um influxo prejudicial.

Tampouco encontramos no escrito de Leonardo qualquer atitude pedante e excessivamente didática ou acadêmica; ele apenas faz sugestões, apenas nos transmite conselhos preciosos sobre as mais diversas questões artísticas.

Seu objetivo é o de conduzir e estimular o prazer da criação, sem se deixar seduzir pela própria grandeza e sem permitir que qualquer esnobismo aflore no texto.

Ao contrário, a poesia vem ao nosso encontro, a cada momento, durante a leitura do Tratado da Pintura; leitura original, aliás, que pode e deve ser feita quase ao acaso, sem urna ordem deter-minada, visto que o estilo é o da conversação, que recai ora sobre este ora sobre aquele tema, sem obedecer a um plano rigoroso.

Vejamos um desses momentos de poesia, quando Leonardo exalta a faculdade criadora do pintor.

"O pintor é dono de todas as coisas que possam incidir no pensamento do homem; porque, se ele deseja contemplar belezas que o enamoram, ele é bem capaz de dá-las à luz e se quer ver coisas monstruosas, que espantem, ou que sejam próprias de bufões e risíveis, ou ainda provoquem compaixão, ele é senhor e criador delas. E se quer gerar sítios desertos, lugares um-brosos ou frescos durante a estação quente, ele lhes dá forma, assim como a lugares quentes durante a estação fria. Se quer vales ele for-ma sua semelhança; se quer divisar campos abertos desde os cumes elevados das montanhas, e se quer depois contemplar o horizonte do mar, ele é senhor disso; e assim também se desde os baixos vales quer ver os montes nas alturas ou, das cirnas daqueles montes, ver-as baixadas e as praias"; fascina-o a capacidade do artista, portanto, de criar o que primeiro estava nas profundezas de sua mente. 

Poesias e sonetos de Da Vinci

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